plenos Poderes
J. M. M. amaral gurgel
O Amor tudo vence?
A
que se aninha no coração e na mente de um dos amantes.
Na trágica criação de Shakespere, o Amor é derrotado:
Othelo deixa-se consumir pelo tormento da dúvida e põe
fim à vida de sua amada Desdêmona. Da dúvida, digo,
mais que do subproduto ciúme, dado que este último
costuma abater tão-só os fracos e inseguros, ainda quando
inexistente justificação plausível.
Não é o ciúme que ensaio abordar, mas a angústia
opressora, implacável e mortal, que advém da dúvida com
relação à pessoa amada, ao passado irresolvido ou futuro
irresoluto, ao caráter, à sinceridade, à verdade. Quantos
vencem esse terrível ácido-que-corrói?, quão forte há de
ser o Amor para sobrepujar esse mal aniquilador? E no
entanto, quando contra tal inimigo interno vence o Amor
e, mais ainda, quando à batalha sobrevém o perdão (que
mais a quem perdoa gratifica que àquele a quem o perdão
é dado), então daí resulta felicidade interior tal e tanta,
inefável e sublime, que a Virgílio poderiam ter faltado
palavras para descrever.
Wikipedia
pto a comentar Virgílio com unção foi o latinista
Julio Comba. Se não faltei a alguma de suas
aulas, faltou ao querido professor análise menos
romântica do famoso verso 69 do Canto X das Bucólicas,
onde Virgílio afirma que “o Amor tudo vence!”, Omnia
vincit amor.
Não cuidava o poeta de Mântua da mera satisfação
sexual, do banal “fazer o amor” que parecemos ter importado, junto com outros dejetos culturais, da América
setentrional, próprio aos breves enlaces ditos amorosos
que marinheiros solitários buscam nos portos. Virgílio
trata do Amor em seu significado mais nobre e puro,
sua pureza não significando ausência dos prazeres que
os corpos dão e pedem.
A pérola de Virgílio parece ter sido lida e relida, por
quantos se deram ao trabalho de comentá-la, como sendo a capacidade que duas pessoas-que-se-amam têm de
vencer adversidades externas, como é o caso clássico de
pais que se opõem ao casamento de filhos. Em minhas
limitadas andanças por quanto já foi escrito sobre essa
passagem das Bucólicas, não encontrei espectro mais amplo de interpretação que essa: a força do Amor vencendo
obstáculos exógenos.
Clássicos relatos de histórias de amor frustrado estão
a desdizer o poeta: Abelardo e Heloísa, Tristão e Isolda,
Orlando e Angélica, afora as histórias de amor infeliz de
que temos notícia acidental nas notas-do-cotidiano de
jornais. Todas tais situações de infortúnio amoroso não
fazem das palavras de Virgílio senão a afirmação de uma
esperança, o agarrar-se a algo, no caso uma doce e bela
citação poética. Que não se desencantem os apaixonados!, que finais felizes de amor sempiterno os há também
e neles empenho fé. Mas, convenhamos, Vinicius esteve
bem mais perto da realidade, com não menor inspiração,
ao dizer do amor “que seja eterno enquanto dure”.
Mas quero ir além, afirmando que maior prova da
força do Amor está no vencer o inimigo interno, aquele
J. M. M. Amaral Gurgel é jurista
Poderes em Revista I 11