PODERES EM REVISTA 7ª edição | Page 11

plenos Poderes J. M. M. amaral gurgel O Amor tudo vence? A que se aninha no coração e na mente de um dos amantes. Na trágica criação de Shakespere, o Amor é derrotado: Othelo deixa-se consumir pelo tormento da dúvida e põe fim à vida de sua amada Desdêmona. Da dúvida, digo, mais que do subproduto ciúme, dado que este último costuma abater tão-só os fracos e inseguros, ainda quando inexistente justificação plausível. Não é o ciúme que ensaio abordar, mas a angústia opressora, implacável e mortal, que advém da dúvida com relação à pessoa amada, ao passado irresolvido ou futuro irresoluto, ao caráter, à sinceridade, à verdade. Quantos vencem esse terrível ácido-que-corrói?, quão forte há de ser o Amor para sobrepujar esse mal aniquilador? E no entanto, quando contra tal inimigo interno vence o Amor e, mais ainda, quando à batalha sobrevém o perdão (que mais a quem perdoa gratifica que àquele a quem o perdão é dado), então daí resulta felicidade interior tal e tanta, inefável e sublime, que a Virgílio poderiam ter faltado palavras para descrever. Wikipedia pto a comentar Virgílio com unção foi o latinista Julio Comba. Se não faltei a alguma de suas aulas, faltou ao querido professor análise menos romântica do famoso verso 69 do Canto X das Bucólicas, onde Virgílio afirma que “o Amor tudo vence!”, Omnia vincit amor.  Não cuidava o poeta de Mântua da mera satisfação sexual, do banal “fazer o amor” que parecemos ter importado, junto com outros dejetos culturais, da América setentrional, próprio aos breves enlaces ditos amorosos que marinheiros solitários buscam nos portos. Virgílio trata do Amor em seu significado mais nobre e puro, sua pureza não significando ausência dos prazeres que os corpos dão e pedem. A pérola de Virgílio parece ter sido lida e relida, por quantos se deram ao trabalho de comentá-la, como sendo a capacidade que duas pessoas-que-se-amam têm de vencer adversidades externas, como é o caso clássico de pais que se opõem ao casamento de filhos. Em minhas limitadas andanças por quanto já foi escrito sobre essa passagem das Bucólicas, não encontrei espectro mais amplo de interpretação que essa: a força do Amor vencendo obstáculos exógenos. Clássicos relatos de histórias de amor frustrado estão a desdizer o poeta: Abelardo e Heloísa, Tristão e Isolda, Orlando e Angélica, afora as histórias de amor infeliz de que temos notícia acidental nas notas-do-cotidiano de jornais. Todas tais situações de infortúnio amoroso não fazem das palavras de Virgílio senão a afirmação de uma esperança, o agarrar-se a algo, no caso uma doce e bela citação poética. Que não se desencantem os apaixonados!, que finais felizes de amor sempiterno os há também e neles empenho fé. Mas, convenhamos, Vinicius esteve bem mais perto da realidade, com não menor inspiração, ao dizer do amor “que seja eterno enquanto dure”. Mas quero ir além, afirmando que maior prova da força do Amor está no vencer o inimigo interno, aquele J. M. M. Amaral Gurgel é jurista Poderes em Revista I 11