Military Review Edição Brasileira Março-Abril 2014 | Page 82

uma mensagem de texto. Estamos todos vivendo sob a lei marcial no que diz respeito às nossas comunicações. Só não podemos ver os carros de combate” (p. 33). Muitos se irritarão com o uso constante de metáforas, analogias e retórica de guerra pelo grupo. Contudo, é importante ir em frente e lidar com as implicações de seus argumentos, em vez de se deixar paralisar pelo seu uso (ou abuso) linguístico. Sua ideologia sobre a liberdade da internet é mais problemática. Uma ideologia centrada no livre uso da tecnologia se torna irônica, especialmente no caso do Exército Eletrônico da Síria. Não está claro se o grupo de cypherpunks aprovaria as atividades virtuais de um outro grupo de hacktivistas, conduzidas em nome de um regime tirânico em Damasco, que usou um programa “kill switch” para interromper o tráfego de internet fora de suas fronteiras. Contudo, se a internet fosse completamente “liberada”, as atividades do Exército Eletrônico da Síria seriam admitidas, se cometidas contra um Estado de vigilância como os EUA. Em suma, nem todo hacktivismo serve à causa da libertação humana: é uma faca de dois gumes. Parafraseando um observador da tecnologia, Farhad Manjoo, a internet é apenas uma série de tubos sem ideologia. Enquanto o livro Cypherpunks descreve a ideologia defendida por um grupo central de hacktivistas, a obra de Parmy Olson, We are Anonymous: Inside the Hacker World of LulzSec, Anonymous and the Global Cyber Insurgency (publicado no Brasil com o título Nós Somos Anonymous — Por D entro do Mundo dos Hackers), é um relato jornalístico rico em detalhes sobre a história e os atos de um grupo cibernético, que promove sua ideologia com ataques cibernéticos. Em vez de se concentrar no círculo interno de envolvidos com o WikiLeaks, o livro de Olson narra a ascensão de um grupo 80 hacktivista, que é, hoje, mais como um movimento social cibernético. Uma das observações mais importantes de Olson diz respeito à noção equivocada de que o Anonymous é uma “panelinha de superhackers”. Com efeito, apenas alguns integrantes eram hackers; o restante consistia “simplesmente em jovens usuários da internet, que queriam fazer algo, em vez de desperdiçar seu tempo em [salas de bate-papo anônimas]” (p. 81). O lema dos Anonymous assemelha-se ao dos cypherpunks: “a informação quer ser livre”. Se os ataques russos contra a Estônia e a Geórgia são a condição sine qua non de uma guerra cibernética na esfera interestatal, os ataques pelo grupo Anonymous contra a Igreja da Cientologia, o site PayPal e a empresa Sony são a condição sine qua non do hacktivismo no mundo dos hackers. Olson detalha como o grupo ganhou projeção por suas operações contra a Igreja da Cientologia em 2008. Naquele ano, a Igreja pressionou o site YouTube, exigindo que retirasse um vídeo protagonizado pelo famoso ator Tom Cruise, um de seus seguidores, e que havia sido “vazado”. A pressão exercida pela Igreja da Cientologia ia de encontro ao etos de transparência do grupo Anonymous. Em resposta, o Anonymous deu início a uma operação para derrubar o site da Igreja, conjugando ataques distribuídos de negação de serviço com trotes como ligações com música repetitiva, envio constante de faxes de papel preto para esgotar os cartuchos de tinta e pedidos falsos de pizza e serviço de táxi. O grupo tem uma causa em comum não apenas com o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, mas também com os movimentos Occupy e o acusado de vazamento de informações, Bradley Manning. Olson também cobre as diversas operações do grupo Anonymous voltadas a agências e instituições como PayPal, Mastercard e Visa, que se recusaram a processar pagamentos para sites que estavam arrecadando verbas para a defesa jurídica de Assange, Manning e indivíduos ligados aos movimentos Occupy. Especialmente reveladora no livro de Olson é a noção de que o etos do grupo corresponde à forma como é estruturado. As informações na internet Março-Abril 2014 • Military Review